terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O desaparecer de uma rotina

Foi na última chuvarada do ano, e a noite estava preta. O homem estava em casa, chegara tarde, exausto e molhado, depois de uma viagem de ônibus mortificante, e comera, sem prazer, uma comida fria. Vestiu pijama e ligou o rádio estava ruim, roncando e estalando. Mexeu e mexeu, mais nada conseguiu melhorar o rádio, continuava ruim, como sempre.
Sua mulher desceu as escadas do quarto e o sem muita reação. Era sempre a mesma rotina: ele viaja, ela fica em casa, ele volta, ela o cumprimenta e pouco conversam, muito menos trocam afetos, era sempre isso. Não se cansavam e não queriam parar. O tempo foi passando e continuou assim. Até que, na sua última viagem ele demorou mais, não ligou, não deu notícias, fazendo com que sua mulher comece a se preocupar.
Isso para se passavam e ele não aparecia. Ela começou a se desesperar. Não queria perdê-lo , não podia. Ela tinha uma rotina e se recusava a quebrá-la. Ela precisa daquilo não podia ficar sem.
Os dias se passavam. Cada hora um longo período, cada dia uma eternidade. Parece que sua vida tinha se tornado outra rotina. Essa era a rotina de esperar. Não conseguia, não agüentava mais. Precisava daquilo, precisava dele, por mais que seu olhar profundo e frio a perturbasse, não conseguia ficar sem ele. Aquela mesmice tinha se tornado um hábito ou até uma obsessão.
A casa estava vazia. Apenas cortava o silêncio o barulho dos pingos da chuva caindo sobre a janela. Estava frio e escuro. Nuvens cinzas manchavam o azul do céu como fumaças negras de um grande incêndio. E ela estava lá, sozinha com seus pensamentos, pensamentos obscuros, confusos, sem sentido. Num intervalo de tempo que ela seria incapaz de especificar, abafando o barulho da chuva, e interrompendo pensamentos ouviu-se o bater da porta.
Por um momento pensou que esse barulho tivesse sido criado por sua mente, depois caiu em si e verificou que aquilo não era mera ilusão. Era totalmente real. Suas mãos congelaram, seu corpo estremeceu. Ela olhou as escadas com um olhar assustado, apavorante. Não sabia se isso era medo de enfrentar o que passara por aquela porta, ou se era medo de encará-lo apenas. Pensou em fugir, deixar tudo para trás e esquecer o que aconteceu. Mas não podia, não conseguia. Acabar com aquilo, era acabar com sua vida, sua rotina.
Com as mãos firmes e uma força inimaginável ela desceu as escadas. Estufou o peito, olhou para frente e lá estava ele. A mesma expressão, o mesmo olhar apesar de cansado e enrugado, estava lá, como se nada tivesse acontecido. Agora ela não sentia mais medo e sim raiva, raiva quando viu que tudo poderia ter sido diferente, as coisas poderiam estar melhores mais não. Estavam ali os dois parados sem reação. Naquele momento teve vontade de gritar, de dizer bem alto "A culpa é sua! Sua! Sempre foi!". Naquele instante uma névoa se dissipava de seus corações.

(crônica criada quando eu tinha 14 anos. Por isso vejam com bons olhos!)

6 comentários:

  1. Jéssica, o conto é muito bonito, e a sensibilidade da escritora já se manifestava claramente aos 14 anos. Parabens! Um beijo.

    http://quasepoema.zip.net

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  2. Com seus 14 anos JÁ POSSUIA O DOM DA ESCRITA,.Jessica ,ainda não sei a sua atual idade,mas escreva, tens muito a ser revelado dentro deste seu inconsciente, que nos faz compreender que a vida nos reserva momentos unicos ,que podemos refletir sobre atitudes e das LEmbranças E QUE PODEMOS MUDAR, E QUE A MUDANÇA ESTÁ DENTRO DE CADA UM DE NÓS, eu que agradeço a visita deste ANJO, fique á vontade a casa é sua, estarei mais vezes por aqui,obrigado.
    suellymarquêz

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  3. Ah minha amiga, muito bom o texto! Você começa assim..."-Foi na última chuvarada...Pois é amiga voltei esses dias, os outros eu estive junto com outras pessoas ajudando o pessoal que sofreu com as enchentes aqui no sul. dai o meu sumiço...Mas adorei o texto. Beijos

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  4. Quem me dera com 14 anos poder criar tão belo texto. Devo admitir que a minha rotina nessa idade era muito diferente das literarias.
    Mais como todos já disseram, o texto está MARA!!!

    Beijos.

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  5. Eu adorei Jéssica...Gosto de como vc escreve! Aproveito para desejar a voce e todos os seus Um Grande Natal de nuita alegria e
    paz...Assim como um 2009 repleto de realizações e sucesso...Beijo e forte abraço-Betho

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  6. parece até um texto do rubem braga...

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Obrigada por se expressar!